O CAVANHAQUE E O BIGODE
Não devemos nunca fazer perguntas indiscretas sob pena de cair no ridÃculo ou provocar constrangimentos irreparáveis, sobretudo, junto a pessoas que não conhecemos.
Dotado de personalidade extrovertida, certa vez, fui à Casa dos Advogados da OAB, em cidade do Vale do ParaÃba, extrair cópias xerográficas de um processo judicial. Entrei na sala e pedi ao funcionário que procedesse a extração de cópia das peças processuais de que necessitava. Súbito, ingressou na sala um colega alto, bem apessoado, elegantemente vestido, de pele morena e cabelos brancos, com o mesmo propósito que o meu. Notei, contudo, que naquela figura bem posta de profissional da advocacia, alguma coisa não combinava com a proporcionalidade facial daquele homem. É que ele usava um cavanhaque muito esquisito que, além de estar fora de moda, prejudicava a bela figura humana que acabara de ingressar no recinto. Muito expansivo e brincalhão, caà na besteira de indagar-lhe o motivo por que usava cavanhaque. Uma imprudência imperdoável, pois acabava de conhece-lo.
O advogado sentou-se à mesa, tirou os óculos, pôs a pasta sobre a poltrona ao lado, olhou-me fixamente e perguntou: “E o senhor por que usa bigode?†Minha cara caiu na hora, de vergonha, pela imprudência cometida, e que, agora estava sendo me devolvida, constrangendo-nos aos dois. Depois de alguns minutos de mal-estar, o advogado, talvez percebendo o meu desapontamento, impossÃvel de esconder, disse-me, calmamente: “Olha colega, vou explicar porque uso o cavanhaque. É uma história simples, mas dolorosa. Eu tinha um irmão gêmeo que era toxicômano, o que causou grande abalo em nossa famÃlia, porque todos em casa fizeram tudo o que era possÃvel para tira-lo do vÃcio de entorpecentes. De nada valeram os esforços. Certa noite, ele foi em busca de um traficante, num bairro afastado para adquirir uma porção de maconha. Entretanto, o dono da boca de fumo tinha um concorrente violento, com o qual não se dava. Viviam constantemente brigando, um querendo matar o outro, para ficar sozinho na área do tráfego de tóxicos, o que aliás, é muito comum entre eles. Ambos não queriam concorrentes, mas exclusividade. No dia que meu irmão gêmeo foi comprar maconha passou um automóvel preto, sem chapa, em velocidade, e os seus ocupantes metralharam a boca de fumo onde meu irmão se encontrava, como consumidor de drogas, à espera de ser atendido. Infelizmente, ele levou cinco tiros pelas costas e caiu morto ali mesmo. Foram duas tragédias em nossa famÃlia. Pior, como irmão gêmeo e fisicamente parecidÃssimo com ele, toda vez que eu ia visitar minha mãe, ela começa a chorar. Indagando por que ela chorava, mamãe dizia com os olhos rasos de lágrimas, que, vendo-me, lembrava-se imediatamente de seu filho morto, dada a nossa semelhança fÃsica. Foi por essa razão, colega que eu passei a usar cavanhaque para que mamãe não se lembrasse mais do filho assassinado, pois o cavanhaque nos diferenciava fisicamente. E, de fato, daà em diante, ela não se lembrava mais do filho mortoâ€. Fiquei estarrecido com a história e mais desarvorado ainda, quando ele me perguntou: “E você colega, usa bigode por causa de alguma tragédia?â€
|