CAMPOS DO JORDÃO NÃO É UMA CIDADE QUALQUER!
Em nosso livro “Montanha MagnÃfica†recolhemos o depoimento do professor Walter Trinca, luminoso mestre da USP e da UNICAMP, autor de mais de 50 livros e um amante devotado de Campos do Jordão. Canta ele uma amorosa canção de louvor à cidade, revelando o seu encantamento a uma cidade que o inspirou a escrever diversos livros. Em certo momento, porém, ele tem um grito de revolta contra o processo de deterioração da Estância.
Escreve assim: “Essas imagens de doçura, essa passagem a uma terra bem-aventurada, essa vivencia no segundo mundo, se foram toldando devido a uma brusca, decidida e inapelável invasão.
Rapidamente, o panorama se transforma. Praticamente, estou sendo convidado a retirar-me de Campos do Jordão.
Se não o fiz fisicamente, reluto, ainda, em fazê-lo emocionalmente.
Vieram os depredadores da natureza, os especuladores imobiliários, os novos ricos, os gananciosos, os corruptos, os exploradores indiscriminados do turismo, os devastadores e poluidores de todo o tipo. Aportou aqui uma geração espiritualmente desacreditada trazendo o seu vazio interior e a sua turbulência exterior. Como imenso rolo compressor, arremessou-se contra a delicada natureza, transformando-a em objeto de degradação. Alterou o sutil equilÃbrio ecossistêmico, bulindo na harmonia de uma obra de bilhões de anos. Temos hoje aqui quase tudo o que contempla uma metrópole doentia.
Minha casa está cercada de alto-falantes-vendedores ambulantes e vizinhos que ouvem o som de incontáveis decibéis a um vale que é verdadeira concha acústica natural. Imensos caminhões e carretas que transportam água despejando incrÃvel quantidade de monóxido de carbono, óxidos de nitrogênio, dióxidos de enxofre e partÃculas inaláveis de fuligem e poeira. O trânsito intenso numa estrada precária, provoca inúmeros acidentes e mortes, abala as frágeis estruturas das casas e derruba, como um abalo sÃsmico as preciosas arvores centenárias. Um condomÃnio construÃdo, sem as condições necessárias de infra-estrutura, transborda esgoto pelas ruas, infecta o ar de mau cheiro e joga lixo no córrego. A poluição sonora e visual só é comparável ao lixo das ruas e ao depositado nos rios.
O riacho dos meus sonhos transformou-se em latrina e esgoto de posseiros que, alguns metros acima construÃram as suas casas sem fossas. A minha casa está em perigo. Os alicerces talvez, não suportem por muito tempo. O barulho é à s vezes superior ao das grandes avenidas da Capital. O tifo não é uma hipótese descartável. Ricos e pobres mancomunaram-se no ideal perverso de tirar o máximo proveito sem levar em conta as conseqüências (...)
Campos do Jordão não é uma cidade qualquer!
Aqui, o frágil equilÃbrio da natureza facilmente se rompe, como todas as coisas delicadas e sublimes.
Aqui, é totalmente as mãos do homem rasgando, quebrando, violentando. Violentando um silêncio sagrado! Por trás, está a ideologia do progresso, que privilegia as leis da sensorialidade sobre as o espÃrito. Essa idéia de progresso encobre os aspectos destrutivos dele, baseados simplesmente na economia e na tecnologia. Quando as sociedades humanas perdem os rumos não faltam apóstolos do progresso material, salvador da humanidade! (...)
A noção de progresso deixa de ter sentido, se tripudia sobre a ordem imaterial do mundo, se faz sucumbir a espiritualidade e a humanidade. Não estaremos criando em Campos do Jordão idêntico vazio, que se mostra em outras partes do planeta, que suprimiram a relação com a beleza, a grandeza, a memória espiritual, os princÃpios sagrados da vida e do cosmo? Esta cidade tem particularidades sui generis e não pode ser confundida com outras, nem reduzida ao que outras costumam ser. É uma jóia rara, devendo ser preservada como é. Se não for assim, desaparece a sua razão e sua essência de serâ€
O professor Walter Trinca escreveu estas palavras em 1994.
E agora, caro leitor, melhorou alguma coisa de lá prá?
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