O CRIME JÃ ESTÃ PRESCRITO
Andei escrevendo em meus livros a história dos carregadores de cadáveres que, no inÃcio do século XX, exerceram um papel estranho, mas heróico, na então Estação de Tratamento de Tuberculose. Naquela época, Campos do Jordão estava isolada do Mundo, sem qualquer via de comunicação. Essa dificuldade, porém, não impediu que doentes de todos os recantos do Brasil subissem a Mantiqueira em busca do clima cantado e decantado que curava a doença. Foi a fase da climatoterapia, mais tarde abandonada, porque a cura não ocorria apenas pelos efeitos benéficos do clima, mas, também pela boa alimentação, repouso absoluto e medicamentos. A essa época, Campos do Jordão já era famosa como estação de cura e os médicos, invariavelmente, encaminhavam os doentes para a cidade. A mortalidade era muito alta, seja pela falta de remédios especÃficos, seja pelo lamentável estado de saúde dos doentes que aportavam à cidade. Muitos vinham para morrer e morriam mesmo, à s vezes, na subida da serra transportados em bangüês, liteiras e a cavalo. Outros vinham para salvar a vida e sobreviveram, retornando, curados, aos seus lares.
Muitos ficaram radicados em Campos do Jordão e ajudaram com seu trabalho a montar a infra-estrutura da nascente cidade. Como o Ãndice de mortalidade era muito alta, era preciso remover os corpos para o Vale do ParaÃba ou para o Sul de Minas Gerais, pois a cidade, não comportava tantos sepultamentos. Advém daà a relevante importância dos transportadores de cadáveres. Há tempos atrás, encontrei-me com o ilustre advogado santista Antonio Carlos Rios, proprietário e assÃduo freqüentador de Campos do Jordão. Contou-me, então, que lera a história dos carregadores de cadáveres, homens fortes e bravos e me relatou episódio surpreendente: “Saiba, Pedro, que nos anos 50 aconteceu quase a mesma coisa com os pobres enfermos santistas que acorriam a Campos do Jordão, vÃtimas da tuberculose, e acabavam falecendo na cidade. Os santistas buscavam muito o clima de altitude jordanense quando adoeciam na orla marÃtima.
Na maioria, eram pessoas pobres, desprovidas de recursos. Como transportar os corpos de seus parentes de Campos do Jordão para Santos? Os custos eram altÃssimos, mas a criatividade brasileira é verdadeiramente genial.
Diante da minha curiosidade, Antonio Carlos Rios continuou a contar: Pois bem, Pedro, quando as famÃlias pobres de Santos perdiam o seus entes queridos em Campos do Jordão, vestiam os corpos e os transportavam nas limusines e expressos rodoviários que, à época, faziam a linha Santos – Campos do Jordão e vice-versa.†Mais curioso ainda, indaguei ao meu colega: “Mas como transportavam os cadáveres?†O advogado santista explicou mais detalhadamente: “Punham o cadáver, como se fosse um passageiro comum, e dois familiares, um de cada lado o sustentavam, colados ao corpo do morto, durante a viagem de Campos do Jordão até a cidade de Santos, dando a impressão a todos mundo de que o morto estava vivoâ€. O meu interlocutor contou-me o nome do motorista do expresso santista que costumava “quebrar o galho†das famÃlias pobres e bem assim a denominação da empresa, que por muitos anos, operou a linha Campos do Jordão – Santos. Por motivos éticos, não posso revelá-los nesta crônica.
Como o procedimento relatado constituiu um procedimento criminoso, indaguei a Antonio Carlos Rios se poderia relatar o episódio em jornal, e ele, rápido, respondeu: “Lógico que pode, Pedro. Decorridos tantas décadas, o crime já está prescrito!â€
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