UMA TELA DE CAMARGO FREIRE
O pintor Camargo Freire, desde que se firmou em terras jordanenses, decidiu dedicar a sua arte, exclusivamente, aos matizes e cores das paisagens de Campos do Jordão.
Foi professor de desenho do Colégio Estadual e Escola Normal de Campos do Jordão, onde se aposentou. Ali seus alunos conheceram um admirável aspecto de sua personalidade – era um excelente contador de piadas, daquelas que vai provocando risos, desde logo, pelo modo gracioso de narrá-las.
Artista premiado no Brasil e no Exterior, seus quadros integram importantes coleções particulares e oficiais.
Ultimamente seu nome ingressou na “Arte Brasileira do Século XX”, publicado pelo Museu de Belas Artes do Rio de Janeiro.
Todo jordanense sente orgulho da arte do prof. Camargo Freire, que, em vida, foi homenageado pelo prefeito Fausi Paulo, em 1982, com a inauguração da “Pinacoteca Camargo Freire”.
Há alguns anos, o jovem Luiz Pereira Moysés, o conhecido “Tubarão”, quando ainda não se iniciara nas artes plásticas, manifestou desejo de adquirir um quadro do prof. Camargo.
– Eram caros – dizia “Tubarão”
Como Deus abençoa a quem tem esperança, um dia o empreiteiro de serviços de pintura, Luiz Pereira Moysés, entregou pronta uma casa recém-construída ao seu proprietário, dele recebendo uma importância vultosa como pagamento pelos serviços de pintura.
– Que alegria! – dizia “Tubarão”, apalpando os bolsos cheios de dinheiro.
De repente, lembrou-se do quadro de Camargo Freire, foi à sua casa, naquela bucólica rua 9 de julho, em Vila Jaguaribe. Bateu, foi atendido pessoalmente pelo pintor, a quem manifestou o propósito de adquirir um de seus quadros.
Camargo Freire olhou as vestes de “Tubarão”, todas manchadas de tintas, e deve ter pensado com seus botões:
– Esse rapaz é pintor de paredes. Não tem dinheiro para comprar meus quadros!
Sem embargo, recebeu-o bem, convidou-o a entrar e, no quintal de sua residência, começou a mostrar-lhe as flores do jardim, mais à frente o tanque de água, e depois os peixinhos, que assustados nadavam de um lado para outro.
“Tubarão” ouvia, elogiava e acompanhava os passos do grande pintor jordanense, mas a tela de Camargo Freire estava em sua cabeça.
– Diabo, será que ele não vai mostrar-me os seus quadros para eu escolher?
Quando se deu conta, “Tubarão” já dera a volta pelo quintal inteiro e já estava no portão de entrada, novamente e, mais do que depressa, Camargo Freire estendeu-lhe a mão, cumprimentando-o e despedindo-se cordialmente, com as palavras de praxe:
– Apareça outro dia! Agora tenho um compromisso e estou um pouco atrasado.
Frustrado, Luís Pereira Moysés voltou ao lar sem a tela de Camargo Freire.
Passou mais de uma década e Luís começou a pintar, liberando o grande artista plástico que havia dentro de si, de fina sensibilidade, pintando paisagens jordanenses.
Um belo dia, preparando uma exposição de pintores jordanenses, em Vila Capivari, “Tubarão” pediu ao prof. Camargo Freire que apresentasse quadro de seus trabalhos para exibição ao público.
No dia seguinte, no local das exposições, ao lado da Igreja de S. Benedito, apareceu Camargo Freire com quatro telas, que foi logo montando e afixando no local próprio.
Agora, “Tubarão” já não fala como profissional de mão-de-obra de pintura, falava como artista plástico.
Concluído o trabalho de montagem, quando já se preparava para retirar-se, “Tubarão” disse:
– Prof. Camargo Freire, o senhor poderia colocar preços nos seus quadros?
O grande pintor jordanense, modestamente, apôs em cruzeiros o valor de cada tela.
“Tubarão”, mais rápido que um selerepe, disse:
– Professor, esta já está vendido! – apontando um quadro.
Sacou um cheque e o preencheu na hora, entregando a Camargo Freire, que escreveu sobre o preço: “Vendido”.
Os olhos de “Tubarão” brilharam.
– Até que enfim, pude comprar um quadro de Camargo Freire. Levou uma década...
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