BOATOS MORREM NOS CEMITÉRIOS
O boato faz parte da natureza humana, deve ter começado com Adão e Eva. Afinal, o que é o boato? É uma notÃcia muito divulgada, geralmente, de fonte desconhecida, à s vezes, infundada, outra verdadeira. Veiculado a boca pequena, é o famoso diz-que-diz-que ou conhecido zumzum.
Campos do Jordão nasceu com um boato, como contaremos no final. Até o próprio colunista já foi vÃtima. Alguém ouviu numa radio emissora que eu falecera num desastre de automóvel na Via Dutra. Logo apareceu um vizinho me procurando. Quando apareci para atendê-lo, ele foi embora sem dizer palavra qualquer. Queria certificar da veracidade do boato. Não é raro ouvir-se que fulano de tal faleceu e, de repente, a gente vê a assombração passeando na rua. Há anos, quando gravava depoimentos de jordanenses idosos, entrevistei Octavio da Matta, o saudoso Vico, com aquele jeito meio acaboclado de falar. “Oia, dotor, quando eu trabaiava na Fazenda dos Wilsons, lá no Vila Inglesa, gostava de soltar boatos. Imagine que o boato crescia, crescia tanto, que quando chegava na Abernéssia, até eu ficava assustado!â€
Para encompridar a conversa, fui dando corda para o meu querido amigo Vico, deixando-o falar. E ele contou: “Oia, dotor, quando a moça beijava o rapaz na Vila Inglesa, lá no Capivari já diziam que ela tinha dado pra ele. Vindo pra casa, quando eu chegava na Jaguaribe, a moça já estava barriguda e, enfim, na Abernéssia, imagine, dotor, a criança já tinha nascido! Cruz credo! Não vou mais soltar boatosâ€.
O doutor Paulo Ribas, médico ilustre e filho do grande higienista EmÃlio Ribas, foi assassinado por causa de um boato. O médico tratava de uma jovem senhora, vÃtima de tuberculose, que residia em Vila Capivari. De repente, começou a correr boatos de que ela “andava†com o dr. Paulo Ribas. O boato foi crescendo, crescendo, e acabou chegando aos ouvidos do marido, um rico fazendeiro do Paraná.
Não deu outra. O marido veio de automóvel até Pindamonhangaba, mas não havia automóveis para o horário que ele queria. Disse ao agente da estação que pagava uma gôndola para transporta-lo a Campos do Jordão. A gôndola subiu a Mantiqueira transportando só um passageiro: o marido. Desembarcando na Estação EmÃlio Ribas , o fazendeiro procurou o dr. Paulo Ribas. Discutiram. O marido fez vários disparos contra o médico, que, também armado, chegou a disparar um tiro no marido. Este recarregou a arma e matou o doutor Paulo Ribas. Tudo por causa de um boato. Até nos primórdios da história jordanense ocorreu um interessante boato com o Brigadeiro Manuel Rodrigues Jordão, que emprestou o nome à nossa cidade. Ele era um homem riquÃssimo, e se classificava entre os dez maiores proprietários de terra da ProvÃncia de São Paulo. Quando adquiriu os Campos do Ignácio Caetano Vieira de Carvalho, o povo começou a chamar o lugar de os Campos do Jordão. O Brigadeiro foi membro do Governo Provisório de D. Pedro I. Eram amigos e camaradas, tanto que o Grito do Ipiranga foi dado na Fazenda Palmeiras, de propriedade do Brigadeiro Jordão. Eram amigos mesmo, da maior intimidade. Tanto é verdadeiro que logo surgiu o boato que D. Pedro I “encontrava-se†com a Marquesa de Santos, sua amante, em uma casa do Brigadeiro Jordão, na Rua do Ouvidor, em São Paulo. Quer amizade maior que esta? Historicamente, a nossa cidade já nasceu com um boato. Contudo, uma cidade sem boatos não tem graça. Só na cidade dos mortos eles não existem. Portanto, é bom que os boatos nasçam, cresçam e se espalhem no mundo dos vivos. Os boatos morrem nos cemitérios.
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