MINHA ADORÁVEL SOGRA
A sogra é um dos parentes mais injustiçados do mundo: piadas depreciativas, quadros humorísticos e anedotas de mau-gosto, ouve-se à toda hora, sempre menosprezando-a. O cronista é uma das poucas exceções à regra geral. Minha sogra é uma pessoinha adorável. Completará no fim de 2010 a idade memorável de 100 anos e peço a Deus que me permita viver até lá.
Lúcida, lê livros e revistas, anda pela casa, conversa sobre todos os assuntos, toca piano e órgão, embora a visão esteja um pouco comprometida.
Sua vida foi pautada por sacrifícios e coragem, pois ficou viúva muito cedo, criando 6 filhos, dos quais se originaram 14 netos e 11 bisnetos. Pior, era filha única.
Ela reside na Rua Vigário Martiniano, em Guaratinguetá, quase defronte a Igreja N. S. das Graças. Com muita razão, o Diretório Acadêmico da Faculdade Aberta da 3ª Idade da Escola de Engenharia daquela cidade, filiada à UNESP, publicou o livro “História de Vida – Maria Vicentina Meirelles de Castro Rangel”, em 2001. Seus pais chamaram-se José Moreira de Castro e Maria Rosa Meirelles de Castro, que possuíam uma fazendinha nos arredores de Guaratinguetá, onde criavam porcos. Aos 6 anos, foi aluna interna do Colégio N. S. do Carmo, onde estudou ao longo de 6 anos e aprendeu a tocar piano, cantar, e dançar. No 3º ano, estudava francês, e, na verdade as Irmãs Salesianas preparavam-na para ser freira. Nas férias, ia à propriedade rural, onde aprendeu a matar porcos e a fazer queijo e rapadura. Ingressou aos 23 anos na Faculdade de Farmácia e Odontologia de Guaratinguetá (atualmente prédio da Prefeitura), formando-se em 1932, onde foram seus professores Antonio Tolosa, Vinicius Marcondes e Rogério Lacaz Filho. Enquanto estudava, tocava piano nas sessões do cinema mudo. Casou-se com José Antonio de Castro Rangel e com o qual teve os filhos Antonio César, Guiomar, Carlos José, Dulce, Jair Francisco e Magda. Trabalhou como dentista apenas 2 anos, porque seu pai adoecera, os filhos foram nascendo e o marido não gostava que a esposa trabalhasse na boca dos homens, o velho preconceito daquele tempo. Daí aconteceu uma tragédia na vida de Maria Vicentina Meirelles de Castro Rangel em 1952: seu marido José Antonio faleceu e a vida virou de cabeça para baixo. A fazendinha foi arrendada para Joaquim Galvão e todos foram morar na cidade.
Ingressou na Irmandade de N. S. das Graças e começou a dar aulas de piano em sua casa. Na igreja quase em frente à residência, ensaiava peças de teatro para arrecadar dinheiro para pagar os filmes que exibia para a garotada, pois o salão paroquial era muito bonito. Presidiu a Irmandade e distribuiu mais de 30 capelas de Nossa Senhora das Graças pela cidade para arrecadar fundos para a Igreja, onde passou a tocar órgão e piano durante os casamentos. Organizou procissões, preparou festas religiosas, da Padroeira, representações de rua e dirigiu o teatro infantil, além de campanhas para os mais pobres.
Dona Maria Vicentina nunca parou e nunca ninguém a viu de mau humor. Sempre alegrinha e solícita. Um dos coordenadores do livro, João José Guimarães Rocha , escreveu que Dona Vicentina foi “exímia pianista, teatróloga, maquiadora, sonoplasta, figurinista, contra-regra, diretora e produtora de peças teatrais que marcaram época”. Como escreveu Maria Elizabeth de Azevedo Villela: “a moçada todas as noites se reunia na frente de sua casa para cantar e tocar violão. Quando Dona Vicentina aparecia na janela às 22 horas, todos sabiam que era hora de ir embora e retornar a seus lares”.
Deus me dê saúde para viver até dezembro de 2010, para abraçar minha adorável sogra!
|