A MOÇA QUE SE CHAMAVA MIGUEL
Aos 17 anos, em plena juventude, eu a conheci, cruzando com ela as ruas de Vila Abernéssia. Intrigava-me vê-la, de cabelos curtos, de beleza suave, imberbe, vestida de terno, camisa e gravata. Tinha a pele bem clara e baixa estatura. Embora vestida de homem, aparentava distinção e muita classe e elegância no andar. Era a poeta que se chamava Miguel Scott. Tinha um aspecto de doçura e fragilidade, embora quisesse passar a imagem masculina. Comprei em 1954 o seu livro “Harpa Sensualâ€, com prefácio de Guilherme de Almeida, o “PrÃncipe do Poetas Brasileirosâ€. Ele escreveu: “Ora, dentre os que na mocidade inédita, freqüentemente me confiam seus originais, Miguel Scott é uma certeza. Estes seus primeiros versos apontam para cima, como os caules de boas raÃzes, os muros de bons alicerces. Conhecimento de métrica, posse de lÃngua, sensibilidade, imaginação, pensamento, inspiração... será preciso mais? Ou antes – haverá mais do que isso no quinhão de um poeta? Há. Há o amor à poesia. Essa é a qualidade mestra de Miguel Scott. Ele ama a poesia. A primeira página deste seu livrinho, mais do que uma profissão de fé, é uma declaração de amor à sua arte. Assim: “Que me falte um amor e teto umbroso / e falte o pão e a água que sacia / que me neguem um gesto carinhoso / mas que eu tenha, ó Senhor, minha poesia!†Ao poema em que estão estes versos, chamou Miguel Scott “O que mais amoâ€. E esse seria para mim, com justeza, o tÃtulo certo de seu belo livro de estréiaâ€. Nunca pude descobrir o nome daquela moça que se chamava Miguel Scott. Grande poeta ou poetisa, não importa, mas, fez furor na década de 50, quando assustou escandalosamente a preconceituosa e arcaica sociedade jordanense. Não somente o cronista, mas todos tinham curiosidade de conhece-la, saber da sua vida, de sua história. Por onde andará Miguel Scott? Continuou a sua opção masculina? Prosseguiu na vocação poética? Éramos estação de cura de tuberculose, com todos os seus conflitos humanos, seus dramas pessoais, suas tragédias familiares, quando se subia esta Montanha magnÃfica para viver e alguns para morrer. Nunca para vencer na vida. Miguel Scott foi a George Sand de Campos do Jordão.
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